Não à cabritada da Páscoa, sim ao cabrito da Páscoa

Não pôde realizar-se no ano corrente aquela que seria a 9.ª edição da “Cabritada da Páscoa”, evento que sucessivas direções do clube de futebol União Desportiva de Lanheses (UDL), da freguesia mais oriental do concelho de Viana do Castelo, vinham a promover há oito edições consecutivas. Todas elas com reconhecido sucesso. Em cumprimento das emergentes prescrições legais que obrigaram ao cancelamento de reuniões, atos e manifestações públicas com ajuntamento de pessoas, tornaram inviável a manutenção da regularidade do popular e concorrido convívio.

A designação dada ao evento assenta no facto óbvio de que no cardápio do jantar-convívio o cabrito seria o elemento relevante. Da composição da ementa constavam ainda assim outros produtos, designadamente, as deliciosas sobremesas com variadíssimas e convidativas opções de escolha e serviço livre, tudo preparado pela justamente considerada equipa de cozinheiras da Escola EB 2,3/S, com serviço à mesa no refeitório da escola para mais de três centenas de convivas pelos demais colegas e eventuais voluntários, ao som de música ao vivo e gravada.

A impossibilidade de manter ininterrupta a continuidade da “Cabritada da Páscoa”, não obsta a que em Lanheses não se cumpra no seio familiar a tradição antiga da cabritada, mesmo que seja plausível aceitar que o costume “já não ser o que era” dada a habituação aos novos hábitos da dieta alimentar entretanto assimilados pela sociedade em geral.

Contudo, estou em crer que nesta fase pascal, é a carne de cabrito a mais procurada nos talhos daquela freguesia e noutras da região limítrofe, tanto por gente local com vinda de fora.

Já vem de longe a apetência e o recurso ao consumo da carne de cabrito, hábito que não é exclusivo de Lanheses mas de todas as zonas rurais, incluindo naturalmente a minhota. Entre as diferentes espécies de criação doméstica, a do gado caprino era comum a quem tinha lavoura própria, criá-lo para consumo ou venda.

Naquele tempo, e principalmente na época da Páscoa, a oferta ao consumidor era feita, em grande parte, porta-a-porta, com escolha da rês pelo comprador num rebanho de mais de trinta cabeças, com abate, esfolamento, e esquartejamento imediato pelo vendedor na presença do comprador, após o demorado trabalho de regateio do custo. Os animais, de idade e tamanho diferentes, eram conduzidos em rebanho pela estrada por uma ou duas pessoas, um dos pais e um filho habitualmente, e separado o preferido, era a seguir abatido e pendurado na trave mestra do coberto próximo para lhe ser retirada a pele, a qual, conforme o estabelecido em prévio acordo, um dos contratantes ficava com ela.

Porque nem todas as famílias tinham capacidade para pagar o valor da totalidade da carne do abate de um ou mais animais, adquiriam uma parte dela ao quilo pesado com uma balança de mão.

OS “BOIS DA PÁSCOA”
Vinham da freguesia de Perre, habitualmente, perto de Viana do Castelo, à soga e aos pares, impecavelmente escovados, as hastes grande e luzidias untadas com azeite, pachorrentos no caminhar manso de um corpo com mais de meia tonelada de carne de excelente qualidade, num desfile de conveniência publicitária com prenúncio de destino com fim no matadouro da cidade da foz do rio Lima, e nos balcões-frigorífico dos talhos de venda a retalho.

Há muito que deixou de se cumprir o ritual do passeio pascal dos belos bovinos pelos caminhos da aldeia. O abate e o consumo destes animais têm agora regras legais próprias e a venda apenas é feita através dos talhos após abate nos matadouros municipais.
Curiosamente, embora com menor exposição real e direta, há talhos onde se faz referência à qualidade do produto, expondo na vitrina a indicação da proveniência do produtor: “esta semana…é da São da Forcada, do Paço de Lanheses, da Encarnação de Vila Mou”.
Garantidamente, de qualidade!

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