A solidão e a população idosa

Segundo a Organização Mundial de Saúde a população mundial está a envelhecer rapidamente, estimando-se que entre 2015 e 2050 esta proporção quase duplique, de cerca de 12% para 22%, o que em termos absolutos corresponde a um aumento de aproximadamente 900 milhões para 2 biliões de pessoas com mais de 60 anos.1

O conceito de envelhecimento tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo, tendo sido influenciado pelo conhecimento cada vez mais profundo da anatomia humana. Pode ser definido como um processo de mudança ao longo do tempo da estrutura biológica, psicológica e social dos indivíduos que, iniciando-se mesmo antes do nascimento, se desenvolve ao longo da vida. O envelhecimento não é um problema, mas uma parte natural do ciclo de vida, sendo desejável que constitua uma oportunidade para viver de forma saudável e autónoma o máximo de tempo possível. 2

Embora inevitável, este processo de envelhecimento é muito heterogéneo, resultando da interação de numerosos determinantes, desde fatores genéticos a fatores extrínsecos como o ambiente que nos rodeia e o nosso estilo de vida.
É importante fazer a distinção entre dois conceitos: isolamento social e solidão. O isolamento social é o grau em que um indivíduo está socialmente isolado. A solidão é quando o indivíduo se sente socialmente isolado. 3

A solidão resulta da discrepância entre o desejo das relações sociais e aquelas efetivamente construídas. É um sentimento multidimensional complexo, com um grande impacto na saúde mental, particularmente nos idosos. A solidão pode ser determinada por fatores intrínsecos, como a personalidade ou a perda de autonomia, assim como por fatores extrínsecos, por exemplo uma fraca rede de apoio social e um défice nos padrões afetivos. 4

Numerosos estudos têm associado a solidão a perturbações do sono, sintomas depressivos, somatização, quedas, acidentes, bem como a uma menor adesão à terapêutica médica.

Um estudo recentemente realizado numa zona urbana do Norte de Portugal, em pessoas com idade superior a 65 anos, avaliou o impacto da solidão em idosos e verificou que 91% dos idosos seguidos nos Cuidados de Saúde Primários revelavam sentir algum grau de solidão, sendo que um terço reportava mesmo níveis graves. 4
Os investigadores concluíram ainda que ter mais de 80 anos de idade, viver sozinho, possuir um baixo nível educacional (menos de 9 anos de escolaridade), estar insatisfeito com os rendimentos e ter uma estrutura familiar disfuncional são os principais fatores que se associam à solidão. Em contrapartida, ser casado ou viver em união de facto e manter uma atividade profissional surgiram como fatores protetores.

A solidão é um problema social e de saúde relevante, pois associa-se a morbimortalidade significativa e é, por si só, fonte de sofrimento e de redução de qualidade de vida.

Os resultados deste estudo revelaram que a solidão interfere com os cuidados médicos, sendo que os idosos que reportam níveis de solidão elevados estão mais frequentemente polimedicados.

Na minha opinião, torna-se premente promover um envelhecimento saudável, com a implementação de estratégias, não só ao nível dos cuidados de saúde, como também ao nível da comunidade, com vista à prevenção do isolamento social e solidão das pessoas idosas.

Estratégias simples como participar em atividades de grupo, de aprendizagem e de descoberta de novos lugares, estão relacionadas com uma melhor qualidade de vida e bem-estar.

O envelhecimento saudável depende do equilíbrio entre o declínio natural das diversas capacidades individuais, mentais e físicas e a obtenção dos objetivos que se desejam. É por isso importante envelhecer com saúde, mantendo as expectativas a um nível real, mas, acima de tudo, vivendo!

Bibliografia
1. Mental health of older adults (12/12/2017) in https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-of-older-adults (acedido a 01/08/2019)
2. Direção Geral da Saúde. Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas. Lisboa: Direção Geral da Saúde; 2006: 24.
3. Rodrigues; Ricardo Moreira. Solidão, um fator de risco. Rev Port Med Geral Fam 2018; 34.
4. Rocha-Vieira C, Oliveira G, Couto L; Santos P. Impact of loneliness in the elderly in health care: a cross-sectional study in an urban region of Portugal. Family Medicine & Primary Care Review 2019; 21(2)

(*) Médica Interna de MGF na USF Gil Eannes

Foto: Veja

Item adicionado ao carrinho.
0 itens - 0.00

Ainda não é assinante?

Ao tornar-se assinante está a fortalecer a imprensa regional, garantindo a sua
independência.