“Coração partido” na adolescência pode assumir contornos patológicos

Todos nós reconhecemos o momento em que um adolescente começa a passar mais tempo em frente ao espelho antes de ir para a escola. Quando regressa e só deseja passar todo o tempo possível ao telemóvel, em conversas intermináveis, ora com alguém a quem habitualmente inventam um nome, ora com os melhores amigos a quem pedem conselhos. Os olhos começam a brilhar mais, ficam mais energéticos, mas ao mesmo tempo mais “aluados”. Neste momento, não há dúvidas – o amor chegou!
Muitos pais sentem-se confusos com a chegada, quase sempre inesperada, do primeiro amor real e intenso do adolescente. Por um lado, ficam felizes porque sabem o quão especial é sentir o amor. Por outro, antecipam o sofrimento emocional que poderá daí vir, e muitas vezes, querem-no evitar ou minimizar.
É sabido que a adolescência traz com ela vários desafios do desenvolvimento individual e psicossocial, onde se inclui o processamento de emoções intensas, em particular as desencadeadas pelos “primeiros amores”. A capacidade de se apaixonar e de se envolver numa relação amorosa é um importante marcador do desenvolvimento, quer identitário, quer da intimidade com o outro.
Ao longo do crescimento dos nossos filhos, não é raro focalizarmos a atenção na sexualidade. Talvez por se manifestar primeiro. Talvez por ter consequências sentidas como perigosas (doenças sexualmente transmissíveis, uma gravidez indesejada). A verdade é que as consequências emocionais podem ser igualmente perigosas.
É importante educarmos pa-ra os afetos. São estes o que nos liga ao outro, o que sustenta o mundo de relação. As primeiras relações amorosas permitem o início da aprendizagem e treino do que implica e necessita uma relação de intimidade com o outro. Contudo, o tempo de vida do “primeiro amor” é habitualmente limitado, e o seu fim quase sempre desencadeia momentos críticos na vida do adolescente.
O fim de uma relação amorosa nunca é fácil, nem simples, diria, independentemente da idade. Porém, para os adolescentes pode ser particularmente devastador. Os adolescentes, em particular na segunda etapa da adolescência (entre os 13-15 anos), tendem a equiparar os relacionamentos afetivos românticos com a aceitação social no grupo de pares. Assumem que quem tem relações afetivas românticas são indivíduos com maior maturidade e mais desejáveis do ponto de vista social. Não é incomum observar, que quando um adolescente termina uma relação amorosa se sente socialmente excluído. Em parte, porque muitas vezes houve um grande investimento no par amoroso, levando a um afastamento do grupo de amigos, ou por procurarem ativamente evitar determinados momentos sociais onde têm receio de reencontrar o ex-par amoroso.
Em paralelo, estes experienciam estados emocionais intensos, por vezes, pautados por sentimentos de fracasso, rejeição e abandono. Associadamente podem surgir sintomas físicos de diminuição de energia, apatia, dificuldade em retomar atividades rotineiras, alteração do apetite e do padrão de sono.
Estes sintomas e dificuldades vivenciadas podem apenas constituir reações de ajustamento transitórias ou podem assumir contornos patológicos, com o surgimento de Perturbações do Sono, Perturbação de Ansiedade, Episódios Depressivos (pontualmente associados a alteração do pensamento com conteúdos delirantes ou alteração da perceção da realidade) ou Comportamentos Autolesivos. São momentos críticos vividos pela família, em que alguns pais lidam com o difícil sentimento de impotência em proteger os filhos.
Como podemos ajudar? Ouvir de forma empática, sem críticas ou julgamentos é o melhor que podemos fazer por eles. Re-cordarmos os sentimentos e as dificuldades sentidas quando nos encontrávamos nesse papel, pode ajudar-nos a ser um apoio forte. Ainda assim, nem sempre é suficiente e por vezes é necessário recorrer a ajuda clínica especializada. Nesses casos, o importante é procurar clínicos na área da saúde mental que tenham experiência com adolescentes, pois estes saberão fazer a distinção entre situações normativas e patológicas, e destas as que beneficiam com intervenção psicoterapêutica.

Dra. Maria Laureano

(*) Pedopsiquiatra da UPPC

(Ilustração: Psicanálise e Amor)

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