Em Portugal, ser raro…

Nos últimos anos, graças à tenacidade de muitas famílias e de uma luta, por vezes, sem tréguas, tem-se falado cada vez mais em doenças raras. Daquelas que são tão raras, e para as quais não existe sequer um diagnóstico, e de algumas outras que, apesar de já diagnosticadas e identificados os genes disfuncionais ou inexistentes, continuam a merecer uma enorme atenção da comunidade científica. Dizem algumas vozes populares que, viver com uma doença rara só é raro para quem, com ela, não convive quotidianamente. E é, de facto, assim.

Do impacto do diagnóstico, independentemente do seu tipo e da idade em que ele ocorre, nasce a necessidade obrigatória de aprender a suportar as consequências para as quais ninguém está preparado. Diria, até, que ninguém está preparado para ensinar como se faz.

 

Às famílias, ainda que aleatoriamente, está destinado um percurso apenas reservado aos combatentes. Aos resistentes. Aos resilientes. Aos verdadeiros lutadores. A todos eles, e pelo impacto de alguns casos, tem sido dado algum destaque pela generalidade dos órgãos de comunicação social, sobretudo quando a situação é muito chocante para a opinião pública. Nos vários cantos de Portugal, de norte a sul, mesmo nos mais recônditos, são descobertas histórias de vida merecedoras de algum relevo pela sua crueldade e, muitas vezes, por todas as interrogações que levantam. Confinadas a condicionalismos impostos por restrições orçamentais, muitas famílias lutam pelos Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica a que, legalmente, têm direito, mas que, por ineficácia de alguns decisores, não são aplicados nem em tempo, nem na quantidade e qualidade desejáveis.

 

Pela luta que tenho desenvolvido nos últimos anos, em torno da causa das doenças raras e de todos os problemas que vão sendo denunciados, de vidas suspensas e sem o mínimo de qualidade expectável, de sonhos destruídos pela inércia dos serviços de saúde, dos quais se exige uma ação corajosa, sinto que, afinal, os raros são cada vez mais frequentes. Quase 800 mil em Portugal.

 

Apesar dos muitos alertas e das chamadas de atenção para aquilo que, muitos especialistas prevêem como um problema de saúde pública para os próximos anos, não se vislumbram decisões, ou soluções, que nos permitam pensar a curto prazo, como seria exigível, em prevenção, em diagnóstico precoce, em Centros de Referência para as doenças mais estudadas e com mais promessas de medicamentos órfãos, como é o caso das doenças neuromusculares, tão expostas nos últimos meses. Sendo, este, o maior grupo de doenças raras do mundo, dividido em três categorias principais, as miopatias, as neuropatias e as doenças do neurónio motor, há muito que se identificaram as melhores práticas e as recomendações que devem ser dadas a todas as famílias onde se identifique um caso novo.

 

Uma das exigências mais relevante, porque determinante na ação imediata, é a caracterização da população de qualquer país. Enquanto, em muitos países da Europa, e do mundo, se estão a dinamizar grupos de trabalho, com o necessário envolvimento médico, e a criar as ferramentas necessárias para juntar o maior número possível de dados relativos ao número de doentes, divididos pelas várias patologias e pelas suas variantes, sem violar a legislação na sua proteção e no seu tratamento, em Portugal não se vislumbra uma proposta nem uma alternativa para melhorar o atual estado de coisas. As associações de doentes, ainda que muito empenhadas em colaborar nos processos desenvolvidos ou a desenvolver, não serão, nunca, capazes de garantir os resultados desejáveis.

 

A emissão do cartão de “Doente Raro”, revelou-se muito pouco eficaz e ainda menos representativo. Estão emitidos, até agora, cerca de cinco mil, o que representa menos de 0,65% do número de casos expectáveis para o nosso país. Exige-se, por isso, um maior envolvimento de todas as entidades ligadas ao SNS, por onde passam quase todos os diagnósticos e todo o acompanhamento posterior.

 

Do trabalho desenvolvido para os doentes raros, dependerá, em muito, o sucesso de um Serviço Nacional de Saúde, universal e para todos.

 

Joaquim Brites

Presidente da APN – Associação Portuguesa de Neuromusculares  

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