Gananciosos e infelizes

Na sociedade portuguesa têm sido, ao longo das últimas décadas, muitos os casos de uma ganância desmedida pelo dinheiro fácil, que a democracia não tem conseguido neutralizar, deixando a nu as suas grandes debilidades. Bem sabemos que a democracia se constrói a pouco e pouco, que tem caminhos ínvios e que passa por crises complexas, mas, ao fim de quarenta e cinco anos deste regime imperfeito, já era tempo de vivermos numa sociedade amadurecida, com princípios e com ética. Recordo que, pouco tempo após o 25 de Abril de 1974, com a explosão das liberdades descontroladas, o governo sentiu a necessidade de combater a corrupção que se alastrava de forma assustadora, criando para o efeito uma Alta Autoridade Contra a Corrupção (AACC), que foi chefiada por um ”capitão” de Abril, o Coronel Costa Braz, militar íntegro e com uma imagem pública impoluta, tal como o General Ramalho Eanes.

O aproveitamento das debilidades do Estado para o enriquecimento ilícito e rápido é uma particularidade imanente a muitos e muitos cidadãos, diria mesmo que lhes está no ADN, porque, na realidade, manifestam uma tendência ou uma habilidade especial para este tipo de comportamento antissocial.

Nunca me esqueço dos desvios de dinheiros públicos que eram destinados, através do Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN), aos cidadãos vindos do antigo ultramar para recomeçarem as suas vidas a partir do zero, após as espoliações de que foram vítimas, como recordo também as notícias do desvio de milhões e milhões de contos, por empresários sem expressão económica e sem escrúpulos, que eram destinados à formação profissional para reintegração desses cidadãos. Com tais dinheiros floresceu uma certa camada de parolos e parasitas, que se exibiam nas estradas e nas localidades em veículos de alta cilindrada, assim como começaram a surgir, um pouco por todo o lado, vivendas luxuosas e outras construções, o que se tornou um autêntico escândalo porque era notório que não possuíam rendimentos para tais exuberâncias. Eram de tal maneira chocantes estas manifestações de riqueza, que os governos tiveram de começar a apertar a malha com legislação adequada, que foi evoluindo nos anos até ao apertado controlo que hoje recai sobre todos os cidadãos.

É interessante acentuar que a ganância é, de um modo geral, transversal a toda a sociedade, porque a acumulação de dinheiro não só gera poder, como também corrompe o poder, e com isso protegem-se os interesses. Veja-se o que se tem descoberto nos últimos anos, em que figuras públicas de relevo acabaram por cair no pior lamaçal das suas vidas, deixando a nu as suas fragilidades, a falta de carácter e a ausência de uma consciência ética e cívica. A situação atingiu escândalo nacional quando se tornaram públicos alguns nomes envolvidos, até então intocáveis, que estão a contas com a Justiça, havendo outros, todavia, que continuam envoltos em segredo, como se fossem virgens que devam ser protegidas, quando está provado que perderam a virgindade, sem que tenha havido violação! De estrelas da sociedade, parte deles já passou a vulgares delinquentes que, numa certa altura da vida, foram detentores de poder que o dinheiro sujo lhes proporcionou. Outros continuam a enfrentar a força das leis até à decisão dos tribunais.

Mas há sempre aqueles que não aprendem ou teimam em não querer aprender com os maus exemplos, julgando-se mais espertos que os outros, e isso ajudará a explicar, por exemplo, a vergonha nacional daquilo que foi a corrupção na distribuição dos recursos materiais obtidos através de particulares e do Estado, em autarquias sobretudo da região Centro, recursos esses destinados àqueles que tudo perderam nos gravíssimos incêndios ocorridos, ou ainda o recente caso dos kits da Protecção Civil, onde se evidenciam os contornos de um compadrio político simplesmente abjecto.

Na minha aldeia, da região de Basto, ouvi muitas vezes, desde criança, a frase “pobre, mas honrado”, que era, aliás, um conselho transmitido de pais para filhos, e isso lembra-me a humildade e a noção de honra que aquelas gentes ostentavam, o que também me traz à memória um pensamento de Napoleão Bonaparte, quando referia que “o método mais seguro para permanecer pobre é ser honrado”. Só que nos dias de hoje anda tudo ao contrário e o que conta é o gozo da vida e possuir sempre mais que o vizinho do lado. A ética, a moral e a honra são valores em extinção e é por isso que temos uma sociedade egoísta, decadente e corrupta a todos os níveis, com destaque para o meio político.

Interagi na minha vida com alguns amigos possuidores de fortunas apreciáveis e com histórias de vida extremamente comoventes, que não posso esquecer. O que deles me ficou, para além da honra de me terem tido como amigo, foi o humanismo e o sentido que deram às suas vidas na ajuda a todos quantos deles se abeiravam, fossem pessoas individuais ou colectividades. Tiveram uma vida de trabalho árduo, que lhes permitiu vencerem no mundo dos negócios sem serem gananciosos, e foram altruístas, viveram com honra e são hoje recordados com profundo respeito e saudade nas suas terras.

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