JOÃO BARTOLOMEU/À MARGEM – ARMAZÉM TEATRAL: Há novos públicos, desde que os espetáculos tenham piada

João Bartolomeu, vianense da Ribeira nascido há 59 anos, está ligado ao teatro há mais de 40, tendo passado por vários grupos existentes na cidade. Há cerca de oito anos, foi um dos fundadores do À Margem – Armazém Teatral, onde, além, de ator, tem assinado cenografias e encenações.

Um dia destes esteve no A AURORA DO LIMA,  onde deixou algumas pistas quanto ao  teatro de ontem e de hoje, que ele e outros fazem, perspetivando o futuro desta arte de palco.

Como surgiu o À Margem?

Depois do 25 de Abril foram criados uma série de grupos de teatro amador em Viana. Na Escola Técnica surgiu O Pataco, com residência nos baixos do Convento S. Domingos. Aí comecei, mas quando mudamos para o BC9 tive uma breve passagem pelo TEAR, companhia profissional. Seguiu-se a tropa e continuei no teatro, o Centro Cultural do Alto Minho (CCAM) tinha criado uma oficina onde construía espetáculos com encenadores de renome nacional que vinham aí encenar elementos de vários grupos de teatro amador. Mais tarde, veio a companhia profissional [Teatro do Noroeste – CDV] e o teatro amador na cidade acabou.

Havia ainda algumas coisas esporádicas na Oficina de Teatro Lucílio Valdez, do CCAM,  e, numa dessas situações, em que íamos fazer um espetáculo, quando estava para estrear, houve uma rutura entre os elementos do teatro e o presidente do CCAM.  Aconteceu em outubro de 2010. Ficamos com a criança nas mãos. Tínhamos o espetáculo preparado para montar, faltavam duas semanas. Montamo-lo e resolvemos criar um grupo. Como não estávamos inseridos em coisa nenhuma, resolvemos chamar-lhe À Margem – Armazém Teatral.

Tudo aconteceu, pois, numa altura em que o teatro amador vianense estava moribundo?

Tenho muito medo de falar sobre essas coisas. No teatro amador, em termos de grupo organizado, não conheço mais nenhum. Existem as oficinas dos ‘Ativas’ da companhia profissional, mas não deixam de ser oficinas que apresentam um trabalho no final de um ano de estarem a trabalhar. Quase se resume a uma apresentação e nada mais. Um grupo, uma estrutura de teatro amador que monta um espetáculo, que o leva a vários sítios, não conheço outro aqui em Viana/cidade. Existia apenas o grupo de Teatro de Carreço que continua a ter uma atividade regular.

Recordando outros tempos: Recordo-me dos tempos em que havia teatro amador e em que não havia a companhia profissional. A cidade tinha, pelo menos, três grupos: Pataco, Gruta e Roupilhas. Na Meadela, a ACEP, tinha um grupo ativo, mas agora só esporadicamente fazem alguma coisa com os miúdos. Havia o grupo de teatro de Darque. O de Afife está parado.

Entretanto, novas perspectivas se perfilam: “No ano passado, cheguei, com outro colega de Viana, a encenar um grupo em Lanheses. Sei que já está para estrear  um epetáculo no final do mês. Houve uma semente do presidente da Junta de Lanheses, no sentido de criar uma situação para que se voltasse a fazer teatro, porque a freguesia tinha raízes nesta área que estavam completamente paradas.

Poder-se-á aferir que, na cidade, o CDV ‘anulou` o teatro amador?

Mesmo que não fosse a sua intenção, anulou um pouco os grupos de teatro amador. Depois, com a criação dos ‘Ativas’ Sénior Junior e o Enquanto Navegávamos (ex-trabalhadores dos ENVC) acabou por açambarcar  mais alguns elementos, pessoas que poderiam dar origem a um grupo de teatro amador. Acho que é errado em relação à cidade, pois, se essa gente tivesse trabalhado numa estrutura amadora em que criasse um espetáculo e, com ele, o pusesse em cena, andasse pelas freguesias, isso ia fortalecer o teatro amador.

Mas não seria bom um grupo de teatro amador enquadrado por profissionais? – Contrapusemos.

Não estou a por isso em causa. Imaginemos o curso que fazem para profissionais da Escola de Atores, no verão; no fundo, uma escola para atores amadores durante o ano todo. No fim do curso, apresentam um trabalho. E acabam por ficar por aí, ou, eventualmente, utilizarem alguns desses atores amadores para, em questões pontuais de atividade da companhia, também os porem a trabalhar. Mas, uma atividade como a nossa, com o trabalho de mesa, de atores, encenação, etc…. fazer espetáculos, não parece que seja a vertente deles. Acho muito bem e sempre defendi a criação da companhia profissional – estive na reunião que lhe deu origem e fui dos que não concordei muito com que os grupos amadores acabassem a sua atividade por causa disso. Defendi que deveria haver, paralelamente à companhia profissional, nas instalações do ‘Sá de Miranda’, um espaço onde um grupo amador trabalhasse e fizesse o seu espetáculo com o apoio dos profissionais em termos de encenação, técnicos e os apresentasse. Quando fosse preciso, dava também apoio aos profissionais, havia interligação.

E como tem sido a vida do À Margem?

É um grupo aberto a todo o tipo de gente que queira ocupar os seus tempos livres numa atividade lúdica e que, de certa maneira, possa animar a vida cultural de Viana. Acabou por se consolidar e foi aparecendo mais gente. Ficamos cientes de que há muito em que ocupar o tempo livre. E há mais mundo do que o da TV.

Fomos trabalhando e montando os espetáculos. Convém ressalvar de que não temos escritura pública de associação, nem cartão de pessoa coletiva. Somos um grupo de atores que resolveu juntar-se para fazer trabalhos teatrais e que apresenta um por ano. Tem participado em atividades além do teatro, como poesia ou animações. Como é um grupo aberto, acaba por ser sui generis porque funciona com as deliberações emreuniões e assembleias dos atores. Não há corpos sociais, existe só um núcleo duro que são os que estiveram na origem do grupo e acabam por fazer andar as coisas.

Qual é a área do teatro que preferem?
Não há consenso no grupo. Quando começamos, experimentamos várias formas. Um tipo de teatro mais sério, o primeiro espetáculo contou com um dos fundadores que depois saiu, Orlando Barros. Depois deste,fizemos um mais satírico, na base da poesia erótica portuguesa. Vimos que este tinha muita adesão das pessoas. Em vez de as por a pensar, libertava-as das notícias que nos põem em baixo. Quando vão ao teatro, querem um momento de libertação. Aproveitamos questões que são tabus, expomo-las, caricaturando-as, fazendo a crítica aos costumes sociais e à própria vida política. Não nos abstemos disso. Até hoje, tudo com textos originais.

Já tivemos cerca de 5 500 espetadores e 80 espetáculos. No núcleo duro, somos quatro elementos. No próximo, estarão em palco sete homens e outras tantas mulheres. No último que apresentamos, do grupo original participaram quatro. O resto é gente nova. Estou aqui, se amanhã me pedirem para ir para outro grupo, posso continuar aqui e deito a mão ao outro. Não há rigidez.

Que apoios tem registado?

Não temos subsídios, não somos pessoa coletiva. Alguns dos elementos vão contribuindo com algum material ou, monetariamente, para a construção do espetáculo. Depois vai-se, aos poucos e poucos, tentando conseguir algum dinheiro que venha a cobrir esse tipo de despesas. A Câmara não deu subsídios, mas, no último espetáculo Confraria do Palavrão até nos comprou duas apresentações. Não podemos candidatar-nos a subsídos, mas isto tem também um lado bom. Seja que entidade oficial for, também não pode exigir nada de nós porque, também, não lhe devemos nada a eles.

E há formação de novos públicos?

Se vamos ver um espectáculo mais sério, com texto que não é cómico, nem satírico, vemos que temos um público mais inteletual. Mas se é com um texto como o que apresentamos, vemos muita gente nos  espetáculos. Recordo-me da poesia erótica.Muitas vezes mandamos gente embora. Tínhamos gente de Viana que ia de propósito a Afife para ver. É evidente que os únicos que têm uma máquina publicitária são os da companhia profissional.

Os novos públicos, aos poucos e  poucos aparecem, desde que os espetáculos tenham piada. Nos de stand-up, as casas estão cheias. As pessoas vão e divertem-se. Parece-me, que seguindo  essa linha, o público gosta. Noutra linha, é evidente que há um público fiel,  mas se queremos trazer mais gente ao teatro temos de ter muito cuidado com o que apresentamos.

Os jovens aderem?

É um problema a nível do país. Hoje em dia, a TV dá cabo disto tudo.  O teatro deixou de ser exibido, havendo apenas novelas. Como dizia um filósofo espanhol, quando a televisão funcionar como o microondas, nessa altura o mundo está melhor.

É preciso saber arranjar formas de cativar a gente que se afastou. É um bocado difícil trazer a gente nova para o teatro. Nesse aspeto louvo o trabalho dos Ativa Junior em terem lá os miúdos a trabalhar com eles. Porque é porreiro trabalhar com essas pessoas. Trabalhamos com o grupo de Carreço e houve gente deste que partiu para a escola de atores e hoje são atores profissionais.

O que falta para o teatro ter mais gente?

No teatro moderno do absurdo, as pessoas não vão, não compreendem. Gostam de paródias e brincadeiras, dessas tricas que existiam nas aldeias, da crítica social, isso é que as diverte. Também pegar em temas tabus, fazer a nossa critica.

Estamos a preparar para ser estreado em setembro/outubro uma peça que tem um título sui generis, como outros anteriores, A Guardiã da Retretes. Ainda há bocado, quando vinha para aqui, precisei de ir a uma casa de banho, tive de ir a um café, passei por várias públicas que estão fechadas. Quando era criança  havia os funcionários nas casa de banho e funcionavam. A Guardiã das Retretes não é bacoca, mas brinca-se com questões nacionais, criticando sempre

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