Partiu o artista da irreverência

Em janeiro de 2016, fomos conversar com ele ao Lar da Congregação de Nossa Senhora da Caridade, onde se acomodou nos últimos anos da sua vida. Estava mais comunicativo do que nunca e com vontade de pintar, porque, afirmou, sempre teve três grandes paixões: a arte, a caça e a pesca. Em relação à caça e à pesca já não tinha grandes ilusões, mas a arte, a pintura em particular, continuava no seu coração, e sem essa não sabia viver. Ainda queria expor, já que a cabeça ainda pensava e as mãos não lhe tremiam. Mesmo aos 90 anos – era os que tinha na altura – nada tinha desaprendido, antes pelo contrário, agora é que estava maduro para fazer coisas importantes. Expor não expôs, se pintou não sabemos, provavelmente não.

Nessa entrevista que lhe fizemos, dissemos que em Viana quase ninguém o desconhecia, não só por ser um artista plástico e ter realizado inúmeras exposições nesta cidade e no país inteiro, mas também pela sua forma de estar, aparentemente altiva e distanciada. Mas não era verdade. Os que o conheceram sabiam que ele era um conversador para horas, especialmente quando falava das suas paixões. Irritava-se quando o contrariavam e, por vezes, mostrava-se mesmo irreverente, mas não era homem de rancores.

Nesta longa conversa, falamos boa parte de uma manhã de sábado, onde nos passou a pente fino o mais importante da sua vida. Por amores, vindo do Porto, em 1953, adotou Viana como a sua cidade querida. Confessou-nos como conheceu a primeira mulher, que o superava na idade em mais 20 anos, com quem se casou e teve “uma relação fantástica, um longo quarto de século, que foi o tempo que ela ainda viveu”.

Teve graça a contar-nos como se iniciou na arte: “A minha habilidade no campo artístico manifestou-se aos 6 anos, quando no Colégio pertencente à ordem do Carmo, no meu primeiro ano escolar, desenhei no quadro a professora sentado num bacio. Surpreendido por esta, acabei expulso da escola. Mudei de estabelecimento de ensino, mas a minha aptidão para as artes é que não só não mudou, como não parou de se aprofundar, ao ponto de que nunca mais fizesse nada que não fosse relacionado com esta atividade”.

Também nos falou, com regozijo, nos momentos altos na sua condição de artista, tal como constava da nota biográfica que habitualmente usava para os catálogos das suas exposições: “os acontecimentos mais marcantes da minha vida artística foram, sem dúvida, a minha participação na Bienal Internacional de Belas Artes e Desportos, realizada em Barcelona, em 1970, e o convite que me foi feito pela Sociète D’Organization et de Conseils des Arts Plastiques S.A. (SOCAP), ao Salão das Nações em Paris, em 1984.

Gratificante, ainda, foi ter sido expositor permanente, na época de 1972/73, na Galeria de Nepence, em Barcelona, e na Galeria Novart, em Madrid. Contudo, não posso deixar de referir que me senti sempre profundamente realizado em cada exposição que promovi e me promoveram.

Na despedida, pediu-nos para referir o sentimento de amor e gratidão que tinha para com Viana e os vianenses, que traduziu nesta afirmação comovida: Sempre fui bem tratado e todos me trataram bem. Tenho Viana e os Vianenses no coração. Aproveito e peço, encarecidamente, que se dê conhecimento do meu mais profundo agradecimento a esta gente amiga e, particularmente à Câmara Municipal, especialmente à Senhora Vereadora da Cultura, Maria José Guerreiro, e à União de Freguesias, que tão bem me tem tratado.

Já o tínhamos feito na longa entrevista que nos deu e lhe publicamos na nossa edição de 21/01/2016, mas é bom referi-lo de novo. Partiu um artista amigo. Viana e, particularmente a Ribeira onde quase sempre morou, recordá-lo-ão com saudade.
Até sempre Mário Emílio.
GFM

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