Partiu o cidadão que não sabia dizer não

Entrou para os ENVC em 1966 e logo deu nas vistas pela sua esmerada educação e afabilidade no relacionamento com todos aqueles com quem privava, independentemente da sua categoria profissional. Nesta empresa trabalhou ao longo de 34 anos, passando à situação de reforma no ano 2000. Esteve ligado a diversas áreas produtivas e técnicas, mas foi nos serviços da formação profissional e da organização do trabalho onde passou a maior parte do seu tempo. O seu domínio de línguas, especialmente o inglês, e a forma escorreita como escrevia, caracterizavam-no para o exercício cabal das várias funções que foi desempenhando. Paralelamente, cultivava a sobriedade de forma muito acentuada, afastando-se de polémicas e dando claramente a entender que o seu compromisso de relacionamento era com todos, independentemente da divergência na forma de pensar de cada um.

Jorge Lima era também um homem de erudição, com conhecimento que sempre soube colocar ao serviço de terceiros. Foi o tradutor para a língua inglesa de todos os conteúdos dos livros editados pelo Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores dos ENVC, fazendo a revisão completa dos mesmos, foi colunista de toda a imprensa dos ENVC, especialmente a dirigida aos trabalhadores (fica para a história a sua crónica “o trabalho a par e passo” publicada ao longo de meses no primeiro boletim do GDCTENVC, criado ainda em 1967), e teve sempre a seu cargo, de forma voluntária, a revisão de conteúdos da revista Roda do Leme, onde também se responsabilizava por colunas regulares.

Em 2003 deu uma entrevista a este órgão de informação de que também era parte. Agora que partiu, ao voltar a lê-la, foi possível medir melhor o seu despreendimento por uma vida farta e como o importante na sua existência era cultivar a discrição e fazer amizades. Quando se lhe perguntou se sentia ter sido alvo de injustiças na empresa, especialmente no plano salarial, contrariamente a tantos outros, acabou a dizer: “nunca reivindiquei nada e aguardava serenamente que me fossem fazendo justiça. Não se ganhava muito, porque os ENVC nunca foram uma empresa rica, mas não esqueço que fiz aí a minha vida e que foi aí onde mais amigos deixei. Ademais, os ENVC são, e sempre foram, uma boa escola, e tanto eu aprendi!”.

Gostava muito de viajar. Conhecer o mundo foi sempre o seu sonho. Boa parte das suas economias eram canalizadas para esse fim, mas nos últimos tempos isso já não era possível, porque a doença foi tomando conta dele. Eu que com ele privei, no plano particular talvez mais do que ninguém, também deixei de ter essa oportunidade. Chegou-me agora a triste notícia do seu desenlace com a vida. Só foi possível despedir-me dele na partida para a última viagem. Ao velá-lo, observando a fotografia que o identificava, não pude deixar de refletir sobre a candura que a mesma patenteava, algo que foi nele atributo ao longo do seu tempo de existência. Agora que partiu mesmo, fica-nos na memória a sua grande riqueza intelectual e humana. A gente dos Métodos, que quase sempre o teve nos seus encontros, vai recordá-lo com muita saudade e sentimento de tristeza.

GFM

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